quarta-feira, 31 de outubro de 2012

~~Fonte Celeste~~



Divina fonte, foz de vazão inesgotável,
obra frequente de aquarelas mutantes,
auroras constantes de amor infindável.

Rainha dos pássaros e de tantas cores,
espelha no lago o brilho em movimento,
espalha  no vento teu ritmo existencial.

Molha a semente que brota e não geme,
sustenta o crescer dando apoio à raiz
regala a fartura da exuberante colheita.

Transbordante vida, que renova criaturas
e arrebenta redes em cardumes imensos,
transporta no barco a essência do amar.

Fonte, que reflete nas pedras a luz do luar
e espalha na areia grãozinhos brilhantes,
faz desta voz riacho de canções serenas.

Que umedeça o pó do deserto distante,
aplacando a ânsia no sussurrar amável
vertendo-se em ondas de água potável.

Dione Scarpelli

Imagem: Cataratas do Erawan na Tailândia




terça-feira, 23 de outubro de 2012

~~Conversa com a Menina~~





Isabella quer um cachorrinho, ela sabe como é bonitinho.
O que ela ainda não sabe, são as artes do filhotinho.
Ele fará xixi  no caminho e tropeçará no cocozinho
e ela terá que limpar tudinho e levar para um cantinho
até o sapeca aprender onde fica o banheirinho.
Depois ele morderá de tudo: a mão da melhor boneca,
o pé da cama novinha, a calça do pijama, a escova,
a esponja, o lápis, o tênis, o chinelo, o fio da tomada.
Morder para a criatura é como chupar chupeta,
mas como você é esperta e já anda de bicicleta,
não será muito difícil, será assim no início, 
depois, quando o bichinho crescer, se carinho receber,
vai brincar muito contigo, será seu melhor amigo
e a melhor companhia na hora de passear.
Ele vai te esperar chegar e quando você demorar,
não vai nem querer comer, você vai ver... 
E se você ficar triste, ele te assiste até ver você sorrir.
Mas seja responsável e jamais o abandone pois ele
fará parte da família, seu animal de estimação será o cão
que levará o seu nome, como sobrenome...

sábado, 20 de outubro de 2012

~~Palavra Viva~~



Alguma coisa pulou no meu colo,
também pulei, levei o maior susto. 
Não vi o que era, dei logo um grito,
arrepiou a pele, teria sido um grilo?
Saí do sofá, olhei ao redor, nada.
Subitamente senti o coração diferente
comecei a respirar profundo, calada.
Então um riso despontou no rosto, 
que por gosto, soltava gargalhadas.
Olhei pro livro desconfiada e já era,
no íntimo, estava totalmente mudada.
Foi ela, a palavra viva, que invadiu,
entrou, se alojou no coração a mil.
Agora quer fazer morada, a danada.
Entra, clandestina, mas aviso logo:
sou despreparada na arte, reparte.
Não me faça chorar a toa e prometo
te darei a alegria, farei a minha parte.




ilustração de Jean G. Villin
para o livro As Reinações de Narizinho
de Monteiro Lobato, 1931













~~Romã~~



Plantou um pé de romã 
de uma boa linhagem,
veio de uma muda anã
e verdejou em folhagem.

Brotou na mão do amor,
água, barro, sol e vento
a muda explodiu em flor,
a vida no seio do tempo.

Agora, desfile de frutas,
as princesinhas coroadas
doam chá, sabor de cura,
talismã de gotas sagradas.




A imagem é um detalhe da pintura A Madonna da Romã de Sandro Botticelli.
               
              
  
         

sábado, 6 de outubro de 2012

~~Alívio~~


A palavra esperança reúne
o esperar e o confiar.
Espera-se uma coisa boa,
confia-se no tempo favorável.
Quando houve o Dilúvio,
lá longe, muito longe...
A espera era a chuva parar,
confiavam no bom tempo.
Até que o esperado chegou,
Noé enviou um pássaro
que atravessou o arco-íris
e trouxe um raminho no bico,
era primavera, soltem os bichos.
O porto da esperança do Dilúvio
para aquele que confiou, foi alívio.

Dione Scarpelli



sexta-feira, 5 de outubro de 2012

~~Pequeno Tributo ao Padre Antônio Vieira~~




Pequeninos trechos de dois sermões:


...Pregava Santo António em Itália na cidade de Arimino, contra os hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento são dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas chegou o povo a se levantar contra ele e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como Cristo aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços não podia fazer esta protestação; e uns pés a que se não pegou nada da terra não tinham que sacudir. Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência ou a covardia humana; mas o zelo da glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos. Pois que fez? Mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, António pregava e eles ouviam...



... Quando Cristo mandou pregar os Apóstolos pelo Mundo, disse-lhes desta maneira: Euntes in mundum universum, praedicate omni creaturae: «Ide, e pregai a toda a criatura». Como assim, Senhor?! Os animais não são criaturas?! As árvores não são criaturas?! As pedras não são criaturas?! Pois hão os Apóstolos de pregar às pedras?! Hão-de pregar aos troncos?! Hão-de pregar aos animais?! Sim, diz S. Gregório, depois de Santo Agostinho. Porque como os Apóstolos iam pregar a todas as nações do Mundo, muitas delas bárbaras e incultas, haviam de achar os homens degenerados em todas as espécies de criaturas: haviam de achar homens homens, haviam de achar homens brutos, haviam de achar homens troncos,haviam de achar homens pedras....



Padre Antônio Vieira era chamado pelos índios de Paiaçu, Grande Pai.

~~Análise~~





Quantas coisas para se falar
penso que não caberá aqui.
Ouço sinos quando ando,
desde uma meia-noite
a muitos anos atrás.
Sinos a meia noite?
Sim, quando passávamos...

Tantos momentos intensos
que não cabem nesse lugar.
Aquela ventania por entre as mãos
enquanto a mulher cantava
e proclamava a glória
do Rei dos Reis
ao meu lado?
Ventania nas mãos?
Sim, mas eu abri os olhos...

Muitas imagens que passam

é melhor abrir a janela
antes que elas invadam
e nos coloquem pra fora.
As horas redondas que chamam
desde o relógio branco que ganhei
trocado por dois pedaços de bolo.
Trocou bolo por horas?
Sim, um anjo me ofertou...

São tantas noites de mel
que não cabem nessa esfera.
Posso pintar um quadro
cada cor mostrará o encanto,
posso recitar um canto
e se a voz embargar ao ponto
do espírito querer contar,
se calar, brilhará em luz 
e irradiará esse jeito de amar.
Posso bordar um ponto dourado
e se sair pra passear 
levarei por onde passar
essa essência de surpresas.
Noites de mel?
Sim, meu amor impossível,
amante invisível, sonho de valsa...

Tenho tanto a transbordar

que não cabe mais aqui dentro,
abra a janela depressa  
têm flores que querem entrar,
e as aves tão cheias de cores
que tomam o meu lugar?
Meu corpo formiga inteiro
o que brota do fundo do peito
precisa do espaço infinito,
faça uma análise então:
Sinto tudo muito mais bonito.



O rosto de Tarsila do Amaral, pintado por ela.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

~~Misterioso barco~~



Onde me levará o estranho barco em que me
encontro atenta e viva dentro de um sonho?
Navego no mistério tomado pelo leme que
me leva solta, entregue a um laço frouxo a
envolver  meu corpo em finos panos leves,
de aromas raros, que entram pelos poros e
transbordam suores em tremores de febre.
Onde vai dar o rumo que não temo, mesmo 
quando sopra forte o vento e arrasta a nau
no barulho da velocidade, oceano adentro?
Um sol morno aquece a pele em dormência
e traz uma sensação de leveza como se fosse
o amor a me tomar inteira com grande força
e milagre que extravasa em êxtase contínuo.
Para onde me levará o destino que desliza
comigo nessa nave fantástica de enigmas?

Dione Scarpelli

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

~~Iglu~~



Existe algum livro de auto-ajuda
que ensine como construir um iglu?
Pode achar graça mas estou
no primeiro passo da palavra.
Acertamos quando ousamos errar.
Depois da aula eu te pego,
não você me pega.
Fico sem graça sem a tua graça.
Quando vou dormir 
recolho os meus sonhos
para baixo do travesseiro
onde distribuo cores.
Estou disfarçada na fantasia
como me reconheceu?
Ah, escapou uma pluma original!
Pratico mimetismo telepático.


Foto National Geographic Russia