terça-feira, 30 de abril de 2013

~~Ar da Graça~~




Olá, trouxe o ar da graça, aquele que exala, até na fumaça.
Procuras teu coração, tem um repleto aqui dentro de mim.
Mas acho que é meu, é que ele escapa, e mesmo assim fica.
Ainda descobrirei teu drama, para aplacá-lo, por benesse.
Sente o cheiro, ligeiro, faz presença mesmo se saí de campo
pra quebrada, onde fico à vontade, não sei como capta.
É a vontade da palavra, aquela de verdade, íntima.
Cheguei para falar um pouco, e lançar um pouco de calor
ao fogo, acender a brasa dormente, soprar a luz na centelha...
Cheguei e cheguei inteira, derramando pela beira, transparente.
Estive pensando sobre um enredo, mas ainda é muito cedo
tenho muito o que aprender, estou aprendendo a amar.
Deixe sua Julieta deslizar a mão direita pela espinha 
enquanto a esquerda apoiada no ombro, aquece a espera da troca.
Brincar de Julieta que sobreviveu e ressuscitou o Romeu
e tudo continuou, é sobreviver ao chefão, estudos adultos.
Passo o dia pensando, converso comigo, dentro do meu
abrigo sempre me encontro contigo, são muitos assuntos.
Uma coisa é muito certa, minha urgência, a morte levou,
quando me abraçou, não queira saber como é. É fria, no antes, 
no durante e depois. Quando ela abraça, quer aquecer-se.
Não adianta cobertor, lã, feltro, vapor, brasa, ela quer
calor humano. Cobradora de erros, levou minha urgência...
Mas aprendi com isso, nisso minha eternidade começou,
então eu vivo outro tempo, e vivo no mundo de dentro,
quando durmo sinto um sopro no ouvido, é o ensinamento
que fala segredos profundos que vou intuindo e alimentando.
Romeu, sei que não és meu, mas doo do amor divinal, pois
te amo e não faz mal, é nutrição espiritual compartilhada.


Imagem: Poster do filme, remake de Romeu e Julieta


segunda-feira, 29 de abril de 2013

~~Diálogo romântico~~



Joana avistou João próximo ao centro da flor.

- Sabe, de toda a sua inventividade, malmequer, eu lhe atribuo apenas uma parte, bem me quer, ouso dizer a metade, malmequer, ou melhor, a metade da metade, bem me quer...

- Malmequer, falou João, você diz que perde tempo comigo, bem me quer, mas já avançou um século, malmequer, meio século vai, bem me quer, mesmo assim é um avanço, bem me quer...

- Me ama tanto, malmequer, que chega a fazer barulho, bem me quer, ouço seu coração a quilômetros, malmequer, chego a pensar, bem me quer, que o barulho vem de dentro de mim, malmequer...

- Vamos nos aquecer no núcleo, bem me quer, o sol está morno, malmequer...

- Aproveito, bem me quer, para esparramar pólen, malmequer, largo pelo caminho, bem me quer , assim fecundo, malmequer.

E pisou na textura macia esparramando-se, aproveitando o cálice, sorvendo o gozo do bem viver. Notou então que estava só. Ela faz assim, inventar um diálogo com a voz masculina a mantém em equilíbrio...

E voou, com o pulso mais intenso, quase que numa totalidade, como se fosse dona de um coração, pelo menos da metade vai...


domingo, 28 de abril de 2013

~~Consentimento~~



Me delicio na tua visão
tão distante da minha,
tão gritante, voz de sonho.

Me banho na tua arte,
teu estandarte de olhares
o amor como ingrediente

famintos de fermento
segundos, a todo momento
consinto considerando

Serão as aves pensamentos
que criamos e formamos
no espetáculo que vivemos?

Havia uma ave na árvore
que observava meu sonho
tão leve levou-me junto

Passou pela longa distância
pelo cheiro da inconstância
e voa porque voa à toa.




sábado, 27 de abril de 2013

~~Sangue, Soro, Ouro~~




Daqui do alto do amplo rochedo 
rolo camuflada nessa roupa de pedra, 
assisto o esplendor da lua a rasgar
com seu brilho o tecido acolchoado
e a causar impressão que vive...

Daqui, exaurida da luta de esgrima
quase derrotada de olhos vendados,
eu, versus o exército microscópico, 
clamo e imploro, verto sangue,
choro pelo estilhaço e o prego,
o grito, choro pelo conflito,
e a dor do desencanto, derramo 
todo o pranto do corte, o sangue
que escorre da morte, a face 
azul oculta absoluta do rochedo.

Daqui rodopio e ajoelho, 
me encolho e me esparramo,
me banho na seiva desprendida
da madeira e no desprezo pelo
crescimento lento, vejo o movimento
que roda, lua magnífica rodeada 
de estrelas na noite linda que nada sente.

E lá, sozinho, cai o menino sobre o solo
exausto e sujo de tanta ausência e droga,
ele se afoga junto comigo, sangue e castigo,
arrasta um pano e eu, que tanto amo,
choro pelo que não posso...

E rolam os gritos do fogaréu, 
enquanto caem as lajotas em blocos 
que desmoronam sangue e pó.
E não e só. Há muito o que chorar.
Tinjo a imensa pedra mas também a lavo.

E rolo rochedo abaixo como lava que já fui
e lavando vou em água, no soro
desprendo a tinta da dor,
vou pelos vales, avanço selvagem,
com força e coragem a caminho do oceano.

Misturada aos campos do mundo, 
ora rasa, ora no fundo,
sigo com o canto profundo, clamor 
e lamento, silêncio esperança.

E quando descambo num prado sereno
desperto ao ouvir o canto da ave amarela
e um novo grito de voo verde, numa brisa
suave de macio azul. Quando a luz mansa
me aquece e alcança, vislumbro a nova criança
que corre em alegria simplesmente livre
apenas por viver a água que vem pela
rocha e dá vigor à flor que veste o campo
e perfuma o gramado de orvalho fresco.

A menina se arruma e lava a fronte 
na luz dourada, raiou o dia. 
Ha tanto para se amar, muito por seguir.
Choro ouro e banho em louro o pó 
do trigo que prepara o pão.
E contemplo a pedra que brilha,
leito e altar, límpida feito o luar.




Imagem da Chapada Diamantina, Bahia, Brasil









sexta-feira, 19 de abril de 2013

~~Cobertor~~





Lembrar o que não deu certo, chorar o que foi chorado
acender a centelha do sofrimento é dar poder ao frio pois
o gelo da morte corrói e dói. Basta olhar para o lado nas ruas,
homens que se abandonam e sentirás a bruma gélida do engano.
Olhar para o passado, amado e fixar-se nas lições provadas
é despertar sombras, recolherás por acaso meu pranto?
Beijarás minha dor? Agasalharás soluços?
Ao aproximar-me de ti notei teu manto poético,
a capa de todos os poetas a te envolver por mérito
evoquei portanto a pomba pacífica para poder raiar digna 
aos ouvidos refinados, apurados e críticos que te rodeiam. 
Devem rir de mim. Dos meus equívocos linguísticos,
mas não me importo, desde que atinja o ponto, o toque da pele.
Sinto que acendi uma candeia que destrói o cheiro de bolor,
penetro no forro do tecido, na fibra, com carícias aveludadas
em honra ao calor da vida que nos dá as mãos e o sonho.
Quando adormeço no acalanto dos anjos, invento que me cobres.


Imagem do desenho animado Irmão Urso


quarta-feira, 17 de abril de 2013

~~Coreografia~~




Observa o movimento lento
da busca das folhas por luz
o giro dos vasos na mesa
pequena no canto da sala.
Procuram na captura sutil 
o mormaço que se faz flor.
E quando o mundo clareia
o olhar da mulher acende
poda, rega e roda na espera 
do aceno, sorriso do broto
a futura maciez da pétala 
o veludo no rosto da casa.
Solando surge a bailarina
seguida por belas meninas
o instante do desabrochar
é oferta da vida, é presente
é o abraço, a história de amor
no ensaio silente, diariamente. 


Imagem: Obra de Edgar Degas


domingo, 14 de abril de 2013

~~Redenção~~





A perfeição é nossa
é a nossa redenção
vem pela misericórdia
basta apenas observar 
um pássaro ou uma flor
a riqueza do próprio corpo.
Perceba o que é perfeito!

A perfeição é nossa
mas ela é sufocada quando
se qualifica a imperfeição,
dê qualidade ao perfeito.
Creia e potencialize a
sonhada transformação.
Promova o mundo perfeito!

A perfeição é nossa
ela é possível pela fé
pratique do seu jeito
mas opte pela verdade,
atue com coragem com
tua dose de boa vontade.
Espalhe o mundo perfeito!

A perfeição é nossa,
é naturalmente a beleza 
da imagem e semelhança
vê como é bela a criança
volte ao estado infantil,
transforme a realidade
pense em saúde, alegria
Promova o todo perfeito!

Pare de falar mal, 
pare de ver defeito
pra tudo se da um jeito
chega de insatisfação
veja o lado bom, até o dia
que a morte ficará velhinha
e a doença não nascerá.
Vislumbre a perfeição!




Imagem de Jesus Cristo, que disse:
"Eu sou a ressurreição e a Vida!" 

sábado, 13 de abril de 2013

~~Homenagem à Mario de Andrade~~







“Ó paz, divina geratriz do riso,
chegai! Ó doce paz, ó meiga paz
Sócia eterna de todos os progressos,
Estendei vosso manto puro e liso
Por sobre a terra, que se esfaz!”
“Por quê? Se o mundo é bom, a vida boa;
Se a luz é para todos, se as campinas
Dão para todos:
Por que viver, lutando à-toa?…”


Pequeno trecho da Obra Imatura,  1917
em Há uma gota de sangue em cada poema,
publico por evocar a paz.

Imagem: Mario de Andrade rodeado de crianças 
no Parque Infantil Do Pedro II entre 1937/1938
extraída do livro de B.J.Duarte: Caçador de Imagens 

sexta-feira, 12 de abril de 2013

~~Briga de Foice~~





De nada adianta a briga de foice
se na hora do confronto, no ponto
do corpo a corpo, 
as armas caem da ponte
e ficamos no meio, grudados
peito no seio, ajoelhados
exautos, caídos ao largo
para ver as mesmas espatifarem
no tombo infinito abismo abaixo.

E dali do pico da visão absurda
doamos numa entrega absoluta
a luz de quem ama onde criamos
o salvamento boca a boca em desculpa
à razão que perdeu o juízo
pois no oposto achou um abrigo 
entre suspiros dos corações aflitos
faz-se ouvir a voz do silêncio
some-se o tempo, é o triunfo...

Então trocamos os passos
e o lado, cada qual no seu mundo
cheio dos infinitos segundos
repletos de dúvidas, no fundo
a cerca de quase tudo, exceto
da existência do amor por perto
e da vontade de viver tal arte
em cada lado da ponte outra foice
e no açoite, a noite domina iludida.



Imagem: Capilano Suspension Bridge, Canadá.


quarta-feira, 10 de abril de 2013

~~Respiro~~





Nem mais um gracejo
cortejo ou desejo
nem desassossego 
mas muitos recados
da dama poesia
recado na porta
bilhete que voa
estrada que fala
garoa que cai à toa
da lua na noite, 
durante meu dia
a todo momento
o meu pensamento
no mundo suspenso
da luz na grafia...




terça-feira, 9 de abril de 2013

~~Momento Mágico~~





Quase agora eu vi um sabiá bem gordo
tranquilo, quieto no seu pedaço de terra.
Aquecido, piscou os olhinhos de sono,
tão autêntico, super na dele, tropical.
Brasileiro, me fez lembrar Tom Jobim
parecia um pinguim no império total.
Parado, iluminado no banho de sol, 
clara é a tarde no barranco do jardim.
Não fotografei, caligrafei na memória.
O cheiro? Um misto de encanto e gloria.


Imagem do Tom Jobim, nos anos 60.



segunda-feira, 8 de abril de 2013

~~Poema Telepático~~





Dentre todas as línguas que sonho entender
a linguagem anímica é a que quero aprender
a que supera o símbolo, que tem letra incolor
do mandarim ao passarinho, do rio à marola
do voo da borboleta ao suspirar de uma flor.
Afinal, pego a carícia de abraço sem abraçar
e posso velejar num beijo ou até mergulhar.
Do árabe à calculadora, do verso ao sonho
da rima ao poema inteiro, invento um verbo.
Por enquanto, quando tento, sai até fumaça
da bruma até a pluma, da fumaça à fragrância
a elegância da palavra aromatizada,  almíscar
com poema impregnado pelo centro, incenso
e o pressentimento da intenção ao resultado, 
meu interior presente, deleite do bem amado
impregnado, do pensamento ao movimento,
do gestual à mímica, a invisível boca d'alma.


domingo, 7 de abril de 2013

~~Jornada~~





Corro o risco de ser vista como obtusa,
no curso do caminho, trapos e farrapos 
enquanto viro do avesso, acerto o passo
mas em volta, o toque do descompasso.
Sou estranha, achei que houvesse mais.
Me divinizo em segredo, tento desse jeito.
Ralo, por perseguir o que está no alcance,
desacertos ajustados, expostos, testados,
suados, mudados, desatados lentamente,
aliviados, benditos, laços desprendidos 
numa nação de nós, no entanto prossigo,
forasteira, avanço como se fosse pioneira
na jornada onde esbarro o olho no Éden,
lavo o barro grudado ao corpo, na fonte.


Foto: Paisagem em Mougins, Pablo Picasso

~~Reflexo~~






Linda luz maior, minha  alegria.
é a voz que canta uma poesia
que cerca dentro da palavra certa
e perfuma o abraço que me aperta.
Espelho na lagoa, igual reflexo
do inverso que totaliza o verso
é o riso, sol do lumiar completo.
Muito amo e quando desce o pano
ainda me engano, mas eu chego lá.


Foto de Carlos Alberto Bau.

~~Identidade~~




De um número oculto incluso no único,
o registro existe num mundo fantástico
pontua no movimento vento da oblíqua
e passeia nas retas das curvas da Terra.
De história e memória anterior à fotografia
sou irmã da natalidade, filha da natividade
rastreio o caminho para a luz da divindade
sou a que se opõe, quando sente que erra.
Tanto amei, ah! Como tanto amei, e assim
procriei, feminina, fundei minas e minérios.
No universo virtual invento o espaço aéreo,
de manto eletrônico e veste transcendental,
minha esfera elétrica tem reserva de bateria
que ativo em período integral, império real.
Do corpo ardente no meio do fogo sagrado
adubo a raiz na fonte matriz da liberdade.
Marca digital diferente da sua impressão
que some de transparente e no entanto
é mais que evidente o rumo da pulsação.
Explícita é a assinatura divina, sem rasura
do amor flagrante em caligrafia dourada
e na frequência do coração, carimbada.



Foto da Spiral Jetty, de Robert Smithson, 1970.







sábado, 6 de abril de 2013

~~Calma~~





Tão grande é a expansão de um sorriso,
esse feito gentil, nessa ação generosa
a cavalgar além dos laços da diplomacia.

É uma campina que floresce e acaricia
a menina do olho, a colher em fervorosa
a pintura dos girassóis sob o sol amigo.

Mesmo que não fale, um riso encanta e
na guarda dum abraço que me alcança
enxergo o núcleo do ímpeto explosivo.

Acolho o aceno, luz em brasa, fogo vivo
a transformar a íntima e apertada algema
na lenha que alimenta a caldeira invisível.

Transparente curso d'água dentro d'alma,
luz suprema que circula entre as curvas
é a calma que apascenta a minha calma.


Foto de Orlando Brito, 1999.




sexta-feira, 5 de abril de 2013

~~Noite Azul Marinho~~





- O que você vai ganhar com isso? Ela me questiona.
- Nem eu mesma sei, não importa, sinto-me atraída para alimentar o espírito, ainda mais agora que fiquei totalmente vazia depois que morri.
- Como assim?
- Eles vieram na noite mais escura que conheci. Abri a guarda; deixei a janela aberta, confiei nas alturas, esqueci que voavam... Só percebi quando me senti oca, fruto da entrega. Semi-acordei com a luz acesa e o diálogo em bom tom. Falavam sobre a importância ou insignificância da minha presença, como substância, no enredo da poesia. Fui sugada na madrugada azul-marinho. Quando acordei, eu não era nada. Nem anjo, nem flor, nem ave, nem mel, nem mãe. Esvaziada na essência e com muita dor na jugular, mas sem marca aparente. Marca invisível. Fui de mansinho caminhar na manhã silenciosa, nomeada de tristeza, tamanha era a pobreza que me arrastava. Não via o céu nem mesmo o chão, mas ao virar o caminho avistei uma ave morta, nos pés de uma árvore. Verde, jogada entre a terra e a raiz. Parecia ter sofrido um ataque ou perecido na tormenta. O chão molhado mostrava o vestígio do temporal, galhos caídos, cheiro de musgo. Era eu, morta. Como a morte. E segui sem sentir nada. Sem cor nem dormência, uma nada de nada. Eu precisava morrer. E me arrastei o dia todo até a entrada da noite repleta de nuvens com frestas de lua. Fui andando comigo até no momento em que deitei e fiz-me oferenda no mar dos meus pesadelos. Assisti do alto, meu corpo frio e molhado como um barco a esmo no oceano, flutuando no azul marinho que quando em quando a lua revelava. Por isso alimento-me de novo. Minha seiva foi ceifada pela foice. E penso sobre quem a queria, levaram numa vida vazia, tudo o que eu daria. Por certo ficaram repletos. E nem imaginam o efeito colateral, o pulso entre o mel e o sal. Agora renascida, rascunho uma brisa de esperança. Quem não se alimenta, subnutre.




segunda-feira, 1 de abril de 2013

~~Oferenda~~






Ah, fonte! Fonte silente e radiante
que inventa uma ponte, horizonte
e revela no escuro, a fronte.
No tatear, o contorno envolvente,
corpo de sabor cardíaco pulsante.
Anônima, essência de sumo inebriante,
harém na unidade, musa ardente,
vertente de oferenda à deusa pura,
na barca sob o luar, flutuante...



Imagem: Ponte sobre o rio Mississipi