domingo, 26 de fevereiro de 2012

~~Anjo~~


~~Anjo~~
Quando um anjo nos visita, vem como dádiva mesmo.Vai abrindo o caminho te mostrando a direção, orientando seus passos. No dia que a Lorena nasceu eu ainda não tinha noção de que fosse um anjo encarnado de passagem no nosso mundo e em especial na minha família, na minha vida. Ela chegou frágil,
ganhou um quilo no primeiro mês porém nos outros começou a perder, tentei fazer como fiz com a Bruna
minha primeira filha, saúde de touro, mas o aleitamento não bastava e assim começou a luta, logo nos primeiros meses. Respirando com dificuldade mas olhando tudo com visão de quem já sabe...
Então entrou na minha vida a rotina dos hospitais. Com pouca informação os médicos tropeçavam no diagnóstico enquanto gastávamos a energia na espera, na fila, nos corredores da saúde pública. Aos dois anos e meio sofreu a primeira internação e aí na marra conseguiram encontrar a causa da tal fragilidade. Fibrose Cística. Doença crônica e letal, com possibilidades de tratamento e esperanças na evolução científica.
Fui encaminhada ao Instituto da Criança do Hospital das Clínicas em São Paulo pois ali existia um núcleo de estudos a respeito da tal doença. Descobrimos ser um erro genético que revelava em seu corpo alterações químicas, ela tinha um teor acima de sódio e cloro por isso suas secreções eram espessas e transpirava sal.
O beijo salgado. Mas a formosura da menina foi se esparramando dia a dia ao nosso lado. Muito carinhosa desde pequena usava seu naninha (uma fraldinha de pano) para nos acariciar, esfregava suavemente no rosto todo, esfregava no dela, no meu, no pai e na irmã. Aos poucos foi mostrando sua inteligência e charme, fora o bom humor, uma veia cômica. Brincavam muito as duas irmãs pela casa correndo, cantando, crescendo.
Sinto tanta saudade dela, faz apenas alguns meses que ela se foi, foi em outubro do ano passado. Antes de perder a consciência por falta de oxigênio me escreveu várias vezes a palavra Amanhã, amanhã, amanhã, amanhã, amanhã. Nos últimos dois anos ela permaneceu hospitalizada, mas estava estável, toda a equipe trabalhando no intuito de prepará-la para o possível transplante pulmonar que tínhamos certeza que aconteceria, em vão. Mas a lição de vida que ela nos deixou foi tão importante e profunda que a própria médica assistente em prantos a chamou de Mestra. Uma garota de apenas quinze anos. Ela revolucionou aquele hospital. Pintava e bordava. Tocava violão e inventava piadas. Conquistou a simpatia de todos os funcionários, desde o porteiro até o diretor. Todos conheceram a Lorena. Ali surgiram pessoas milionárias em humanidade e expressão de amor, naquele mundo de dor, um outro de amor. Começando pelo Comitê Juvenil, grupo de jovens voluntários que doam o tempo para entreter as crianças com alegria e criatividade, os Contadores de História que passam com livros na sacola e nos braços trazendo aventuras e conhecimento, o voluntariado adulto distribuindo orações e bonequinhos de tricô e os Doutores da Alegria com a poesia da arte cênica.
Lá ela fez a primeira comunhão, passou natal e reveillon, dormiu acordou, dormiu e acordou, dormiu e acordou e disse trinta e três trezentas vezes três. E a gente aqui do lado de fora com sol e saúde entrava e saía diariamente daquele mundo à parte com o coração na mão. 
Algumas tardes decidíamos pela risada e chorávamos de tanto rir. Fazíamos comparações do tamanho do amor, para ver quem ganhava. Te amo do tamanho do mar eu dizia. Só? ela respondia, mas eu te amo do tamanho de Deus. Abraços. Então eu sou o coração de Deus, e eu sou o coração do passarinho que Deus fez. Amor infinito.
No dia do aniversário de quinze anos o hospital se mobilizou para realizar uma festa. Os voluntários dividiram tarefas e transformaram um anfiteatro de sala de aula num salão num passe de mágica. Os balões flutuavam, os amigos puderam entrar, os parentes vieram, um clima de encantamento se apresentou e todos, todos os que presenciaram ficaram tocados e diferentes depois daquele dia inesquecível.
E assim o Anjo se foi, não deu tempo de esperar, fizemos tanto mas não deu. 
No seu funeral o céu também chorou, chorou três dias como nós. E naquele imenso jardim todos de guarda chuva prestaram homenagem à sua beleza, à sua pureza. Cantaram tristes canções e disseram poemas. O amor permanece maior.Todos os dias uma lágrima básica derramo por ela mas a envio perfumada para o espaço do mistério que abriga meu coração de mãe. No coração do passarinho.


sábado, 25 de fevereiro de 2012

~~Pérolas~~


Fiz um lindo colar 

com três camafeus:
no centro a estrela guia 
cercada pela cruz e pelo Redentor
depois seguiram-se pérolas 
como se fosse um terço
então coloquei de um lado 
um pequeno buda 
e do outro uma palmeira imperial
cada conta o meu amor 
e depois de outras pérolas 
uma pena de um cocar
foi ficando tão lindo 
depois do pássaro 
uma rosa para abotoar
levaram a joia ao céu
uma deusa veio buscar
por isso não vendo, não troco, doei.



Radha, a deusa hindu do amor

~~Palmeira Imperial~~

          
        

Bom ter nascido em berço esplêndido 
e na caminhada encontrar 
a folhagem da palmeira imperial
que caiu de madura e dominou a passagem
nada raro vislumbrar o colosso da queda
o peso da folha imensa exagerada
abundante gratidão ‎e naquele lindo dia 
a existência te oferece uma cena belíssima:
as maritacas comendo os coquinhos
espalhando um tapete de bagaços
‎mas ela não cabe aqui, é, ela distende
surpreendente pétala do céu
forte, deslumbrante, imensa, autêntica 
e quanto mais grata mais dádiva.

Dione Scarpelli

~~Ser~~





A felicidade pode estar ao lado
pode estar na estrela que você contempla

na xícara de chá, no banco do jardim,

na luz dos seu olhos, no coral da igreja,

no versículo da biblioteca,

no escurinho do cinema,

na fogueira santa, nas catacumbas das catacumbas,

no arco-íris, nas montanhas, no fundo do mar, no silêncio,

na bateria da mocidade, na reverência, no respeito, na liberdade,

basta que você esteja...sem escudos, sem lanças.

Dione Scarpelli


foto de Aparecida Paiva Delgado, 
extraída da página do Parque do Ibirapuera
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