- O que você vai ganhar com isso? Ela me questiona.
- Nem eu mesma sei, não importa, sinto-me atraída para alimentar o espírito, ainda mais agora que fiquei totalmente vazia depois que morri.
- Como assim?
- Eles vieram na noite mais escura que conheci. Abri a guarda; deixei a janela aberta, confiei nas alturas, esqueci que voavam... Só percebi quando me senti oca, fruto da entrega. Semi-acordei com a luz acesa e o diálogo em bom tom. Falavam sobre a importância ou insignificância da minha presença, como substância, no enredo da poesia. Fui sugada na madrugada azul-marinho. Quando acordei, eu não era nada. Nem anjo, nem flor, nem ave, nem mel, nem mãe. Esvaziada na essência e com muita dor na jugular, mas sem marca aparente. Marca invisível. Fui de mansinho caminhar na manhã silenciosa, nomeada de tristeza, tamanha era a pobreza que me arrastava. Não via o céu nem mesmo o chão, mas ao virar o caminho avistei uma ave morta, nos pés de uma árvore. Verde, jogada entre a terra e a raiz. Parecia ter sofrido um ataque ou perecido na tormenta. O chão molhado mostrava o vestígio do temporal, galhos caídos, cheiro de musgo. Era eu, morta. Como a morte. E segui sem sentir nada. Sem cor nem dormência, uma nada de nada. Eu precisava morrer. E me arrastei o dia todo até a entrada da noite repleta de nuvens com frestas de lua. Fui andando comigo até no momento em que deitei e fiz-me oferenda no mar dos meus pesadelos. Assisti do alto, meu corpo frio e molhado como um barco a esmo no oceano, flutuando no azul marinho que quando em quando a lua revelava. Por isso alimento-me de novo. Minha seiva foi ceifada pela foice. E penso sobre quem a queria, levaram numa vida vazia, tudo o que eu daria. Por certo ficaram repletos. E nem imaginam o efeito colateral, o pulso entre o mel e o sal. Agora renascida, rascunho uma brisa de esperança. Quem não se alimenta, subnutre.
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