Tenho meus paladinos, creio que mais de mil...
Eles caminham comigo, muitos de tempos antigos
outros de outros mundos e vários imaginários.
O primeiro de que tenho lembrança surgiu na primeira infância,
tinha eu lá meus oito aninhos e fui procurar amiguinhos.
A amiga morava numa vila, ruazinha sem saída,
que abrigava umas cinco casas. Na frente de casa,
dava pra ver do portão. Minha casa era também da minha avó,
dos meus tios, dos meus pais. Meu avô, que era alfaiate,
já não era mais não, mas ficou o tesourão, nas mãos da minha avó.
Herói que não conheci, também faz parte do grupo.
Atravessei a ladeira, e entrei na vila da amiga,
mas ela saiu com a mãe, daí virei e voltei. Descalça.
Pouco antes da saída, entrou na pequena vila,
um homem de bicicleta que me perguntou sobre uma tal mulher
eu disse que não a conhecia, mas ele cruzou o caminho
e virado de costas para a rua principal,
tirou o pênis pra fora e disse que a tal mulher
escondia aquele "negócio" no meio das suas pernas.
Eu, menina, fui pernas pra que te quero!
Voei sobre o pneu da bicicleta, e corri como uma heroína.
Esse foi o meu primeiro paladino: velocista,
atleta, cem metros rasos, pálido e exausto,
com uma coragem visceral, a mesma que bateu a porta.
O vilão sumiu, como puro covarde. Envergonhada,
não contei aos adultos. Não contei pra ninguém,
mas descobri meu herói, minhas pegadas marcaram.
Passados mais alguns anos, fui com minha irmã no cinema,
duas crianças, à pé, eu penso que tinha doze, ela teria dez.
Fomos ver Robin Hood, uma reprise, num cinema próximo.
Sentadas, felizes. Ao meu lado, uma cadeira vazia.
Assim que a aventura começou, um homem sentou ao meu lado
e começou a roçar seu joelho no meu na maior cara de pau.
Quando o encarei, lá estava o pênis explícito.
Tarados, infelizes! Perdi o filme, a paz, agarrei firme a mão
da minha irmã e antes de sair em disparada, avisei a gerência.
Corremos muito com receio do obsessivo vir atrás.
Como pode, um homem não dominar seus desejos
e avançar sobre a inocência sem o menor pudor?
É óbvio que não pensava em suas filhas e netas,
é certo que só tinha pensamento para sua tara
e nenhum sentimento por nada, por nada.
Robin Hood o encarou, Robin Hood fui eu. Mesmo correndo.
Invento meus heróis para defender-me de vigarices
por acreditar na pureza, por ser altruísta, por crer no bem.
Encarno meus heróis e alguns surgem do nada
mostram seus truques e ensinam-me como aplicá-los.
Assim os levo, nas minhas pegadas,
algumas somem, outras deixam marcas.
E escrevo para lançar uma sementinha daquilo que creio:
creio num mundo melhor, num mundo onde as pessoas
transformando-se o transformam, e pensem nas suas
ações, que atuem com sentimento no bem comum.
Como heróis.
Imagem: O ator Errol Flynn, como Robin Hood (1938)
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