quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

~~Cantil~~






Foi uma noite sombria, aquela da última lua, noite de céu escuro e muito vento. Ela (a lua) estava escondida mas a força da ventania arrancou-lhe as nuvens e num rápido instante mostrou o seu brilho intenso. Livre estava sozinha na avenida e quando raiou o clarão, lembrou dum verso do poeta Garcia Lorca que fazia referência a um peixe na lua. Alguns versos mágicos nos proporcionam infinitos significados...Num segundo o céu virou um rio claro, muito claro e a noite escura desapareceu no breu. E no movimento do rio, Livre mergulhou entre carpas e deixou-se levar pela correnteza. Vagou nas águas com um profundo sentimento de afeto e saudade e notou que o rio seguia em movimento calmo, silencioso e a noite mostrava a lua inteira, magnífica na água verde clara, muito acesa e transparente. Foi quando ela percebeu a enorme flor, no centro da lagoa onde o rio a levou e apreciou o movimentar das pétalas, uma a uma, lentamente, como se despertassem...Sentia-se fora do tempo e do espaço e envolvida num aroma incomum. No núcleo da flor, uma luminosidade de pérola, uma outra lua surgia. Livre cantou uma canção:
  
                                                   noite clara, clara sou                                      
                                                   sente sede, meu amor?
                                                   linda lua, água pura
                                                   levo gotas com sabor
                                                
Seu coração radiava uma emoção divina, como que o amor do mundo inteiro. Livre sabia que estava perto de vislumbrar seu encontro, o motivo da sua busca mas adormeceu no solo. Nasceu o dia, ela encheu o cantil e subitamente sentiu sob seus pés o tamanho gigante do planeta azul, quando abriu os olhos estava na cama e ouviu  a música da manhã...

                                                   Coloco água na tua boca, 
                                                   que invade cada célula
                                                   e deixa tudo tão leve                                                   
                                                   leve como a esperança
                                                   água que bebo também.
                                                   

                                                   
                                                    

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

~~Excesso~~




Foi um excesso
fui mesmo áspera, 
encere-me
me descontrolo
com abusos
e provocações
usarei a prática
de contar até dez
unte-me e releve
depois me dói
é isso que dá
falar demais...
te mando beijos 
de favos de mel
como consolação
para demonstrar
minha afeição.


um,dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez
iti, ni, san, chi, go, roco, riti, rati, two, dwo
one, two, tree, four, five, six, seven, eight, nine, ten
un, deux, trois, quatre, cinq, six, sept, huit, neuf, dix


~~Cartão~~



Tenho um cartão na memória
que meu pai deu pra minha mãe.
Era de papel todo branco
com a silhueta de um casal
de perfil sentados num banco
de contorno aveludado preto.
Quando vi o tal cartão
pensei no amor dos meus pais
e me vi ali, nascida do amor.
Quero tanto que muitos
possam sentir este alento
para ter coragem na estrada
e desfrutar das delícias
que o templo do amor nos revela.
Ontem eu vi um menino
caído, dormindo no chão,
descalço, largado, exposto.
E dentro bem dentro de mim
no meu coração dourado
ele encontrou um cartão
um cartão de namorado.



Imagem: Maternity de Pablo Picasso

~~A Vida~~



Eu me chamo vida e não tenho nenhuma idade
as vezes eu sou menina, em outras já sou saudade...

Gosto de senti-la plena por isso me chamo assim
ela que é tão florida, é meu canteiro, meu jardim.

Respiro perfume, escuto cantigas, exalo gingado
sabor com tempero de gosto apurado, refinado.

Eu me chamo mar quando estou por lá,
viro concha, nado a onda, pronta pra navegar.

Tenho bichinhos bonitos, tenho saúde e ideia
faço cor nascer na flor, sou ação com a criação.

Sou a sensação do passeio no giro do carrossel
e o vento quando bate e leva os cabelos ao léu.

Posso ser o céu sempre que contemplo
atravesso o véu e viro passarinho, posso ser tudinho.

Caio bem fininha feito uma chuvinha quando sou refresco
moro numa praça e no plenilúnio, sou o arco-íris e a foz.

Eu sou a graça do passo que passa pois
levo um passageiro: o amor pro mundo inteiro.



Imagem da Foz do Iguaçu, no Paraná, Brasil

~~Sol Dourado~~

Alimenta-se de amor,
muito nobre professor
é o que encontra aqui
não há nada melhor
que néctar palpitado
talvez seja o resultado
tanto tempo empenhado
e até por ter procurado
aquela praça inventada
saiba, o amor é farto,
inesgotável renascer
mora lá dentro do peito
um imenso sol dourado
que pulsa com vibração
e é isto que é a oração
um abrigo a levar amor
para sanar toda a dor 
que clama por conforto
e regenerar as chagas
o consolo perfeito, a luz
do que nos é de direito:
a vida, rio de plenitude
um campo de libertação
a dor foi criação humana
o sol espera pelo apelo...


domingo, 27 de janeiro de 2013

~~América~~




Entre um beijo e outro
fala um verso teu
entre um abraço e outro
diga um verso novo
que não se perdeu
o amor do mundo todo
o amor do mundo novo
de novo diga sim
velho mundo novo
o amor do mundo todo
entre um beijo e outro
abraço no verso
meu mundo no teu
teu mundo no meu
Novo mundo, América!


7 vezes mundo, 8

Dione Scarpelli

sábado, 26 de janeiro de 2013

~~Bons Tempos~~



Maricotinha, a menina mais velha
assistia o dia a ver na janela 
tudo o que passava na frente dela
era ela, no mundo dela e no da janela.

Tinha de tudo naquela rua, bola rolava
menino sujo, cachorro solto e gritaria
e a menina, escondidinha, atrás do livro
brincava junto, corria solta na sua leitura. 

Ronaldo, do outro lado, mau-humorado 
pois o barulho incomodava tudo, o estudo 
mas acendia, quando a via pela cortina;
a menina, daí, adeus estudo, igual a ela.

Fez amizade, fez carnaval e fez gracejo
e fez bilhete, acenava, mandava beijo.
A Maricota quase não nota o ramalhete
dentro do cesto, no varal do seu quintal.

E juntos, andaram perto, sorriso aberto
na biblioteca, no cinema, na padaria, 
e pela rua, andavam eles com alegria
e lá na praça, a vida acontecia de graça.










sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

~~A Sentença~~


Há muito tempo foi dito sobre o julgamento
e o homem, se acha pronto. A raça homem.
Sente-se preparada para julgar, exerce a avaliação
rotineiramente, na ironia, bisbilhotando amiúde...
Acha-se sábia, a raça, penetra por misteriosos átrios
tira suas conclusões e bate o martelo. 
Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três:
Silêncio no Tribunal! Será proferida a sentença!
Qual é a decisão? Culpado ou Inocente?
Qual é a pena? Qual é o preço? Quanto vale, doutor?
Meu senhor, minha senhora, Vossa Excelência,
jovem senhora, moço senhor, por exigência,
poderão tomar alguma cabida providência?
Foram consideradas as circunstâncias? Sem importância?
Como adquiriu a licenciatura para o uso da magistratura?
Baseado em que base? Enrolado em que rol?
Mas isto aqui é um julgamento ou é um leilão?





Imagem: Escultura da Justiça, feita em 1961 pelo artista Alfredo Ceschiatte,
localizada em frente ao Prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, Brasil

~~Voz na Manhã~~


Fala se não é bonito:
ao admirarmos a beleza da vida
ela  traz uma voz juntinho 
com a aurora que nos diz: 
Psiu! Psiu! Psiu! 
Enquanto percebe-se 
o sopro do frescor da manhã...
Ave do silêncio e que nos vê,
ave que nos acorda no alvorecer,
o que fazemos por merecer?
Mostre-nos o que queres nos dizer,
faça-nos compreender além
da delícia de sentir o teu amor...
Prenda matinal no orvalho 
de surpresas, só pode ser
afago da natureza, anúncio
de esperança, voz da confiança.
Psiu! Psiu! Psiu!

Ave Quetzal                          

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

~~Perdão~~




Perdoar é esquecer. É recomeço, é início.
Se eu te empresto um dinheiro e perdoo sua
dívida, você não precisa mais pagar nada. Fim.
Esqueço. Mas não significa que continuarei
fazendo o mesmo jogo. O recomeço é outro, 
são novos traços pois travou-se a experiência,
o aprendizado vale. Perdoe sempre apesar de tudo.
Sinta o perdão como um bálsamo que alivia o espírito,
tire a mochila cheia de pedras das costas e esqueça, 
desintegre-a, largue-a, a vingança tem peso-pesado.
Se você acordou para para um erro, purifique-o.
Para poder flutuar, sorrir, há que ter leveza.
Solte as pedras, elas são do mundo!
Um sopro vivo me contou...



~~O Querer~~



Sou teu ar, meu mar?
Ou a tua água, meu botão de lírio?

Quer-me renascida dentro do teu dia
e ouvir um sonho desses que alimenta.

Quer ter alegria quando experimenta
respirar de novo, lua aparecida.

Vem a brisa traz a onda, minha ronda
lava de amor com molho o seco.

Sou teu mar, meu ar?
Sou a criatura que 
de rosa é prosa...

Quer mais ainda,
terá sempre mais...



quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

~~O Valor da Companhia~~







Resolver compromissos nem sempre são sacrifícios, principalmente se estiver em boa companhia, de preferência em ótima companhia. Saí com O Criador no peito e levei um criador no colo, sugerido por outro criador. Todo trajeto pode ser apreciado como se fosse um passeio, o fluir é melhorado, as vezes mudar o itinerário ou parar numa praça, quem sabe? Sair com tempo de sobra é ótimo pois cada volta é inédita. Utilizei um transporte público, ônibus, prefiro as janelas com paisagens, já que estou sem pressa, sentei-me e me entreguei à leitura. Os livros de contos dão certo nos dias de atividades administrativas, pausas e recomeços com a história completada. Acertei no de hoje. Fiquei maravilhada com a primeira história que li, que criador magnífico para ilustrar a alegria através das palavras, um revelador verdadeiro da sensação. Existem versos em alguns textos assim como há poesia nas nossas vidas, mesmo na rotina. Alguns versos valem uma epopeia. Uma simples frase pode qualificar um obra, imagine muitos então...E me transformei no menino. E abracei o criador com O Criador que mora em mim. E chorei com o menino o choro que ele guardava. E peguei-o pelas mãos e saí a conversar por aí sobre certas mazelas no intuito de resgatar-lhe a alegria. Porque tinham que matar o peru? Porque? Por isso que eu não como mais bicho...só peixe. Contei pra ele a história que um Anjo me contou, de como Ele (o Anjo) tinha conseguido demonstrar o seu amor por uma fera até a mesma ficar sua amiga. Ele entrou numa mata densa e ela se aproximou: uma pantera negra, belíssima e  assustadora, com olhar de fome, mas Ele, Anjo que é, lançou-lhe um sentimento de amor tão intenso e perfeito que o animal rolou por terra como se fosse um gato doméstico. E a pantera virou sua protetora por muitas vezes que Ele precisou se aventurar por esse caminho. Até que um dia, enquanto o Anjo repousava, chegou um outro felino tão forte quanto a sua amiga. Em defesa do Anjo as panteras travaram um combate mortal, ambas morreram e o Anjo notou o olhar derradeiro da sua protetora, assim Ele ficou como o menino sem o peru. Disse o Anjo que tamanho foi o amor que ela não caberia mais naquele corpinho limitado, foi o que eu disse ao menino para que ele lembrasse sempre da beleza do animal tão amado. Amei o menino, passei o dia com ele. Viramos rio no outro conto e cantamos canções esquisitas no outro. E torcemos pela vaca laranja que, vitoriosa, traçou um destino livre com muita coragem. E corremos pelo terreiro em saudação ao arco-íris quando me vi menina a observar pássaros e operar milagres no silêncio. Cheguei mais vibrante no íntimo, fiz uma refeição frugal, nutrida já estava. Sou muito grata à vida.



Levei um livro de contos do criador, escritor João Guimarães Rosa, Primeiras Estórias, excelente companhia.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

~~No Alto~~


ouvi um chamado em canção
e você me levou pra dançar
no alto do prédio num pulo
que nos deixava mais perto
e fomos movidos pelo vento
que era extremamente negro 
desmanchado 
pelas aparições da surpresa
quando as nuvens se abriam
para a cor do luar se instalar
levavam o frio no movimento
e os nossos cabelos de prata
nós apenas rodamos na noite
cena futurista assim presente
como no passado, outra vez, 
inesquecível.



Imagem: Fred e Adele Astaire em 1921

~~My name is Love, Dione Love~~


Você chama sua mulher de Amor?
Como você se refere ao seu amado?
Acho lindo dizer Amor:
- Amor, que horas são? Depois diga o nome...
- Amor, me faz um favor? Depois diga o nome...
Meu marido me chamava de Baby, Baby Di.
Eu gostava, depois com o tempo dizia Aparecida, 
meu outro nome, achava charmoso:  - Ô Aparecida!
Mas chamar o companheiro, parceiro de Amor, é muito
carinhoso...Quem me amar, pode me chamar de Amor.
Depois fale o nome, aí fica melhor. Aproxima, acaricia.
Chamo minha filha de Linda, ela é mesmo muito Linda...
Chamava a menor de Flor, tão delicada que era.
Até hoje a nossa conexão é de flor, na cor, na essência,
na suavidade da pétala.  Lagoa de lótus.
Faz bem tratar os outros bem, além do respeito, um agrado.
Mas é preciso coragem para expressar afeto. Não tenha medo,
quando te perguntarem qual o seu nome diga, meu nome é Amor.
- Meu nome é Amor, Dione Amor.



Imagem: A Bond Girl, Ursula Andress

~~Nas Alturas~~



Noite de vento forte, passos na avenida
nuvens velozes soltas entre as estrelas
a lua esplendida explodia e resplandecia
num salto instantâneo ao alto do edifício
sobre as bandeiras de tremular constante 
e do sino no silêncio, sob o som do sopro
ela chega adiante, Livre no topo do prédio
para ficar de prata como a pequena estrela
que lhe fazia companhia, ela e parte do mundo
enquanto contemplava, vivia, sabia que existia.



Imagem: Anne Hathaway (Catwoman)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

~~Sonho Realizado~~


Sonhei que um canto delicado 
me despertava. Vinha da janela 
e antes de olhar para a claridade, 
surgiram entre minhas mãos 
umas criaturinhas coloridas, 
mínimas, ao brincar revelavam
no bailado um belo cântico sutil. 
Canções elaboradas divinamente
surgiam com formosura enquanto
invadiam meu sentimento à fundo,
na pureza e com muita veemência. 
Minúsculas aves alegres entre as mãos
na altura do coração que faziam carinho. 
Rodopiavam com uma macia plumagem, 
invertiam posturas em malabares livres,
acariciavam a concha das palmas unidas,
uma rara aparição. Sonho magnífico na imagem, 
no som, na cor e na sensação. Puro sentimento. 
Dádiva divina que reparto em alegria e gratidão.


Imagem: Pássaros Diamante de Gould

domingo, 20 de janeiro de 2013

~~Benquerença~~




Queira-me bem.
Sou aprendiz
estou aprendendo a amar direito...

Amar sem ferir
é pra quem é perfeito,
chegarei, estou no começo...

Fica o poema
para quem sabe; sei que
no silêncio brota a nascente da foz...

Dentro dele
encontrarei o prumo
para bem empregar a palavra...

Queira-me bem,
busco o amor na pureza 
e tenha certeza, te quero também.











terça-feira, 15 de janeiro de 2013

~~Filtro~~








Nos tempos de escola, para falar com o 
professor, precisávamos levantar as mãos.
- Mestre, sente que as palavras são vivas,
ou contém vida e emanam energia?
Conhecedor e estudador do assunto há de saber...
- Seriam elas descuidadas pela boca da
humanidade, ditas assim à revelia...
- Será banal tal reflexão?
- Poderia isso ser uma receita do caos?
Toca o sinal, há interferências, e as
respostas temos que encontrá-las na experiência.
Gosto de você professor e sei que sabes...
Agora, ponho a mão no coração e faço
um novo estudo e para aprimorar 
o aprendizado, usarei palavras filtradas.












segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

~~Retorno Acolhedor~~



Houve tempos em que você fracassou.
Andando no caminho vazio, você pairava no ar,
perdido no ciclo de nascimento e morte
e mergulhado no mundo da ilusão.
Mas o belo caminho é paciente,
sempre esperando que você volte,
este caminho tão familiar a você e tão confiável.
Ele sabe que você voltará um dia
e ele o acolherá em seu retorno.
O caminho será estimulante e belo
como da primeira vez.
O amor nunca diz que esta é a última vez.
Thich Nhat Hanh



foto de Carlos Alberto Bau

domingo, 13 de janeiro de 2013

~~Vitrine~~


Houve uma exposição
quase que no tempo de uma volta
da Terra na rota de translação
começou quando casava em mim
a dor com a libertação
quando senti o foco
de um magnetismo incomum
que me acendeu um dom
assim misturei realidade e ficção
e me entreguei à lenda, fiz confusão
presa ao erro, recolho-me para reparação
entro no templo sentimental
de cultura existencial, 
guardo o acervo apresentado
na arca da expressão e
aguardo o andar do tempo
para que se cumpra a regeneração
na luz do meu sagrado coração.
Bela é a maneira que a vida
ensina ao aprendiz os passos 
na estrada da evolução.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

~~Homenagem ao Poeta~~




El poeta pide a su amor que le escriba

Mi profundo amor, la muerte que es la vida
Su palabra escrita en la vana esperanza
y pienso, con la flor que emurchece
que vivir sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni impide ni conoce la sombra.
Corazón interior no necesita
La miel luna helada derrama.

Pero tuve que soportar. Rompí mi mismo venas,
en la cintura, tigre y paloma
las picaduras de duelo y lirios.

Llena mi locura de las palabras
o déjame vivir en mi calma
y siempre noche oscura del alma.

Federico García Lorca, en "Poemas Sparse"
utilizei o Google tradutor

                 ~~:~~

O Poeta pede a seu Amor que lhe Escreva

Meu entranhado amor, morte que é vida, 
tua palavra escrita em vão espero 
e penso, com a flor que se emurchece 
que se vivo sem mim quero perder-te. 

O ar é imortal. A pedra inerte 
nem a sombra conhece nem a evita. 
Coração interior não necessita 
do mel gelado que a lua derrama. 

Porém eu te suportei. Rasguei-me as veias, 
sobre a tua cintura, tigre e pomba, 
em duelo de mordidas e açucenas. 

Enche minha loucura de palavras 
ou deixa-me viver na minha calma 
e para sempre escura noite d'alma. 

Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos' 
Tradução de Oscar Mendes


Federico Garcia Lorca (1898-1936)







~~Encaixe~~


Sente falta do abraço que me deu
suave é o tato feminino
não esperava tamanho encaixe
sonha com o sumo do beijo
que é meu e teu, mel e água
se esparrama no imaginável
toque de pétala e frescor
se te beijo a pálpebra
se desliso sob tua força
ouve o suspirar e clama
sente falta porque chama
e me chama porque ama
sabe que sei chegar, faço surpresa
piso devagar, piso sem pisar
toco sem tocar, pluma na brisa.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

~~Carteado~~


Trocam sentimentos quando dão as cartas
constroem boas idéias e descartam outras
baixam invenções em blefes de ilusões
brincam de verdade e simulam confissões
arrumam confusões com jogadas de ladrões
escondem o segredo na canastra do desejo
armam armadilhas e apostam nas ciladas
desenham intenções e ganham a jogada
quando a lua faz chegada, jogo de amantes
iluminam a cena ao embaralharem tudo 
misturam-se às letras, incorporam coringas
suspiram aos beijos e descobrem carícias
ora o rei é valete, ora a majestade é o rei
e a dama na entrega escorrega no naipe.






Foto: Daniel Craig e Eva Green