segunda-feira, 22 de julho de 2013

~~A Luz do Corpo~~




Jesus continuou:
- Ninguém acende uma lamparina para por num lugar escondido ou debaixo de um cesto. Ao contrário, ela é colocada no lugar próprio, para os que entrarem na casa possam enxergar tudo bem. Os olhos são como uma luz para o corpo: quando os olhos de vocês são bons, todo o seu corpo fica cheio de luz. Porém, se os seus olhos forem maus, o seu corpo ficará cheio de escuridão. Portanto, tenha cuidado para que a luz que está em você não seja escuridão. Pois, se o seu corpo estiver completamente luminoso, e nenhuma parte estiver escura, então ele ficará todo cheio de luz como acontece quando você é iluminado pelo brilho de uma lamparina.
                                                                                                         Lucas: 11, 33 a 36


Que a luz divina ilumine as enfermarias e os leitos dos hospitais. E a mesma luz encontre abertas as portas dos corações e mentes dos dependentes químicos e alcoólatras e os fortaleça na persistência para a libertação. Que a luz esteja nas mentes e corações de todos os governantes em todos os lugares; no recôndito resplandeça a flama.

Dione Scarpelli





terça-feira, 16 de julho de 2013

~~Gôndola~~




Pouse avezinha, descanse naquele rochedo...
Talvez o peixe tenha beijado o barco,
a gôndola brilhante que deslizou no céu.
Canta aqui um pouquinho, diga outro segredo...
A noite desliza ao redor da gôndola de prata
que de tão brilhante desfoca. Parece três,
espalha pirilampos sobre o breu, como pétalas.
De dia é uma lasca de hóstia... Ah céu, tão meu quanto teu.
Talvez o peixe tenha ouvido a canção,
a voz do gondoleiro, o som que faz o remo.
Conte um outro sonho, aqueça meu coração...
Assisto o barco no vento, reúno paz e saudade.
Não vivo sem sentimentos, ave de todo habitat...
Coleciono espécies de penas, por pura beleza,
imagino um colar de cocar. Aquela negra, azulou.
Tem o canto que escutei quando a lua passou. 
Mar bebedor de reflexos, bebeu o eclipse total.
Ave de pouso leve, riso do meu esperar...


Dione Scarpelli


Imagem do Panoramio, de Maria Evelyna




~~Apito~~




Tenho te visto por aí disfarçado
se percebo um movimento num galho
ou se esbarro no vidro da plataforma
num voo de milha alta de um avião
num gole d'água, na respiração
és parte minha, querendo ou não
a que prefiro, a fantasia da audição
quando cedinho ouve comigo
a voz das aves que nos desperta
pro desafio que a luz do dia anuncia.
Hoje por ser feriado na cidade
ouvi o apito da Maria Fumaça,
às três da tarde...


Dione Scarpelli


domingo, 14 de julho de 2013

~~Despetalar~~




Reviver no núcleo da flor
exalar no desabrochar
transbordar ao despetalar
voar, perfumar o ar
vagar na correnteza do rio
fazer soma com aroma, na terra.
Renascer em botão de flor
a poesia interior acompanha
a vida que se anota e se nota
o verso que ao passar, se expressa
a palavra escapa e cai como pétala
vai em fluxo na água, no vento
pelos recantos da Terra.

Dione Scarpelli






sábado, 13 de julho de 2013

~~O Homem de Chapéu~~





   Que pensará o homem de chapéu? Cabeça também foi feita para tantos desejos.
   Uma canção da infância lhe fará sempre sorrir... O meu chapéu tem três pontas. Tem três pontas o meu chapéu... Na solidão das estrelas, decerto perdeste o senso ao ouvi-las. Ao contá-las perdeu a passagem da banda. 
   Que poemas, palavras, olhares colorem a paisagem de seus sonhos?
   Que deseja um homem por trás de um chapéu? Um conhaque, um café? Tudo fica muito, muito sentimental na poesia...
   Ela saiu no terraço uma noite dessas... dançou, falou coisas de amor, iluminou e encantou o homem, que a olhou pela primeira vez.
   Ele fez-lhe uma reverência, sorriu, convidou-a para ficar. O mundo parou para ouvir uma canção, a marcha alegre se espalhou pelas ruas da cidade.
   Entre mil e uma noites, ela lhe segredou história, histórias, iludiu sua razão de
sagrados sentimentos, confundiu-lhe visões e loucuras...
   Ele a (re)vestiu, eternamente, de doçura, azul, de universo, de amor e
luz. Em um único gesto, atirou o chapéu para o alto, em um arabesco mágico,
incrível, e foi caindo, caindo e acabou se prendendo no habitual chapeleiro solitário.
   Adoro chapeleiros antigos... 
                                                        (Salette  30/11/02)

Minha homenagem póstuma à amiga Cassandra, que apaixonou-se por um poeta das noites paulistanas... Ela faleceu dia 30 de janeiro de 2010...

                        

Texto de autoria da querida prima Salette Scarpelli
Imagem: Cena do filme Tempos Modernos de Charlie Chaplin




domingo, 7 de julho de 2013

~~Viver Profundamente~~





A primeira das Verdades Nobres, ensinada por Buda, é a presença

do sofrimento. A consciência do sofrimento gera a compaixão, e a 
compaixão gera a vontade de praticar o Caminho.
Quando voltei à França, após a tentativa de ajudar as pessoas dos barcos, 
a vida aqui me pareceu estranha. Há pouco eu vira refugiados sendo 
espoliados, violentados e mortos no mar, enquanto em Paris as lojas 
estavam cheias de toda espécie de produtos e as pessoas bebiam café 
e vinho sob luzes de neon. Parecia um sonho. Como era possível tamanha disparidade? Consciente do profundo sofrimento no mundo, jurei não 
viver superficialmente.

Thich Nhat Hanh


Imagem: garota afegã vive em campo de refugiados nos subúrbios de Cabul no afeganistão


~~Céu de Brigadeiro~~




Domingo ligeiro
passa devagarinho
para que, como menino
possa te aproveitar inteiro
e mergulhar no teu céu
para azular no incolor
e voar o dia todo
brincando de passarinho.

Domingo ligeiro
deixa teu tom de descanso
nos cantos onde o repouso
se ausenta, mostra teu céu
que rompe fronteiras, acalma,
derrama tua claridade, teu beijo,
nos relevos na volta ao mundo
dentro de cada segundo.

Dione Scarpelli






sexta-feira, 5 de julho de 2013

~~Serrote~~



Ele chegou antes dela, 
usava um serrote na mão
havia uma madeira apoiada
entre a cadeira e a mesa, 
Ouvi o ruído habilidoso...

Quando cheguei, ele parou com tudo
e abriu-me os braços no ambiente claro,
aproximei meia face ao seu peito,
a camisa semi-aberta, 
abrigou-me a orelha e o ouvido...

Reparou como estou? Disse-me sorrindo.
Alisei seu rosto bonito, a barba bem feita,
a pele suada, a presença renovada, cheiro limpo.
Que alegria! Contou-me da purificação,
disse que teve um sonho, falou o nome da mãe. 

Na noite do sono reparador, 
ao enviar raios de luz, por baixo do cobertor, 
pro mundo e pra ela, a filha mais velha, 
que agora completou vinte, 
eu tive um sonho de amor.


Dione Scarpelli


Usei a imagem que peguei no Google
que bem retrata a arte da marcenaria.
Desconheço a autoria.




~~Ratatouille~~



Ele voltou! O menino entrou correndo,
os passos ligeiros acordaram toda a casa,
voou direto pra cozinha, cheio de fome. 
A mãe lhe servia um prato quente.
Subiu na cadeira e aproveitou o momento 
para pular no pescoço dela.
Ela o abraçou, pegando-o no colo, 
alinhou seus cabelos e beijou-lhe a testa.
Mãe tem cheiro de leite, tem poeira de farinha, pensou.
Beijou-a também, abraçou-a sentindo-se no ar.
Ela ajeitou-o na cadeira rente à mesa e à fumaça do prato.
Mas ele estava repleto e correu, 
a porta se abriu e ele saiu, ela saiu também.
Lá fora ele viu, ela abriu a janela e colheu um ramo de flor.
Mãe tem cheiro de flor, ele fotografou, acenou e se foi.
Ela acenou e se foi também...

Dione Scarpelli

Imagem: Rosa Meditativa, de Salvador Dalí


segunda-feira, 1 de julho de 2013

~~Teia Sinistra~~



Ela vem como uma malha negra
fina e aderente, enquanto as mães tecem...
E chega como uma gaze adesiva
grudenta e escura e simplesmente pega.
Anexa-se, sentindo-se perpétua
mas esquece, cega pela intenção,
que nos entremeios da densa escuridão, 
há poros que escapam, há vazão
entre as pequenas tramas
abrem-se mínimos focos de luz.
E mesmo que venha como gigantesca
sombra, a fazer pressão para apavorar,
desça, pode chegar. Quer conversar.
Teia sinistra, o que quer de mim?
Não há o que possa levar...
O que tenho não poderá ocultar.
Aqui, terá que solver o nefasto véu.
Aqui, pode destilar veneno,
a mínima poção virará vacina,
será remédio para a tua sina.
Chega, chega mais. 
Estará frente á frente com a coragem
aos poucos ficará pequena,
leve, e seguirá viagem, voará
na velocidade da luz pelas tuas frestas
verá o que é porta aberta,
as janelas emperradas aguardam 
pelo fogo lubrificante, o óleo sobre a ferrugem.
Venha, e saberá o que é unguento.
Venha e verá clarear o teu movimento.
Aqui, fel é mel.

Dione Scarpelli

Imagem: Arte de Leandro Erlich